Gravação ambiental sem autorização

Na época que estamos, a tecnologia proporciona facilidades incríveis. Temos disponíveis recursos, por exemplo, para filmar, fotografar, gravar e contatar pessoas por meio texto ou por voz a todo momento e tudo isso, a bem dizer, na palma da mão.

E nesse ambiente tecnológico, uma classe de estudantes de um curso de enfermagem apresentou a seguinte indagação (que é relativamente comum): gravar uma conversa sem autorização é ilícito? A resposta a essa pergunta, no campo do Direito, tal qual acontece com uma variedade de outras situações, é: DEPENDE.

Explicando. A Constituição Federal assegura que não podem ser violados, ou invadidos, a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, a correspondência e a comunicação de dados e telefônicas (incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal).

Em linha com os incisos X e XII do artigo 5º, o Código Civil dispõe no seu artigo 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Muito bem, uma gravação de voz ou de imagem tem potencial para lesar essas garantias constitucionais.

A preocupação com essas garantias fundamentais é tamanha que a Lei nº 9.296/96, estabelece no seu artigo 10 que é crime, punível com pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa, “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental…, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

Entretanto, há exceção. A mesma Lei nº 9.296/96, no parágrafo 1º do seu artigo 10-A, esclarece que não há crime se a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal, sem autorização judicial, é realizada por um dos interlocutores.

Nessa mesma linha, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese, no julgamento do Tema de repercussão geral 237: “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”.

Uma das razões desse entendimento do STF é encontrado no julgamento, por aquela Corte, do Habeas Corpus HC 141157 AgR, em que ficou registrado: “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”, guiada pela premissa de que “quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação”.

O Superior Tribunal de Justiça segue nesse mesmo caminho. Veja: “Esta Corte Superior firmou entendimento segundo o qual é válida a prova obtida quando a gravação ambiental é realizada por um dos interlocutores, dispensada a exigência de autorização judicial prévia (AgRg no AREsp n. 2.466.415/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 11/6/2024).

Então, a esta altura, poderia se concluir: sempre que eu for interlocutor, a gravação sem autorização de imagem ou de voz não se constituirá em ilicitude ou contrariedade à lei. Novamente: DEPENDE.

Note esse interessante esclarecimento do Superior Tribunal de Justiça: é válida como prova a captação ambiental clandestina quando o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à intimidade do autor do crime (o número do processo não foi divulgado pelo STJ em razão do segredo de justiça).

Percebe-se nessa decisão que a finalidade da gravação lícita, mesmo sem conhecimento dos interlocutores, deve ter um objetivo nobre.

Lançando mais luz sobre esse assunto, o próprio STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.929.433/PR, envolvendo mensagem do WhatsApp, pontuou:

  • É certo que ao enviar mensagem a determinado ou determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano.
  • A ilicitude da exposição pública de mensagens privadas poderá ser descaracterizada, todavia, quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio do receptor.
  • Neste processo, o recorrente divulgou mensagens enviadas pelos recorridos em grupo do WhatsApp sem o objetivo de defender direito próprio, mas com a finalidade de expor as opiniões manifestadas pelos emissores.
  • Essa exposição causou danos aos recorridos, restando caracterizado o nexo de causalidade entre o ato ilícito perpetrado pelo recorrente e o prejuízo experimentado pelas vítimas.

Bem, voltando à pergunta do início, “se gravar uma conversa sem autorização é ilícito?”, a resposta é: pode não ser um ilícito se (i) o receptor for um dos interlocutores, lembrando que não se pode gravar conversa de terceiros sem autorização; e (ii) se a finalidade da gravação se destinar a um fim nobre, como, por exemplo, à proteção de um direito do receptor, não se destinando à mera exposição pública ou para fins de intimidação do outro(s) participante(s) da conversa.

De fato, a tecnologia é algo extraordinário, mas há valores fundamentais atrelados à dignidade do ser humano que devem ser protegidos no grau mais elevado que for possível. Portanto, a conclusão é: gravação ambiental, sem autorização, pode ser feita com a devida cautela, se e quando necessária, para fins eminentemente elevados.

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