ITCMD – o imposto que incide no inventário. Se passados vários anos do falecimento do autor da herança, os herdeiros estariam livres desse tributo?

Artigo elaborado por Paulo Wagner Pereira, sócio e advogado do Sudatti e Pereira Advogados.

Ao procurar um advogado para aconselhamento e acompanhamento jurídico envolvendo inventário é comum que os herdeiros tenham dúvidas sobre como proceder e é natural que se mostrem preocupados com os gastos correspondentes.

O objetivo das considerações a seguir é numa linguagem simples e desprovida de rigor técnico auxiliar na compreensão de aspectos básicos relacionados à incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) na sucessão por falecimento, um dos temas que recorrentemente é causa de dúvida e surpresa por parte dos herdeiros.

No Direito Brasileiro uma das modalidades de transmissão de direitos, bens e obrigações de uma pessoa para outra é o falecimento ou morte do indivíduo a quem tais bens, direitos e obrigações estavam vinculados. Dá-se o título de sucessor à pessoa que recebe os bens, direitos e obrigações que integravam o patrimônio do falecido.

A esse respeito o Código Civil dedica um conjunto de normas classificadas como Direito das Sucessões (artigos 1.784 a 2.027). Nesse conjunto de normas se encontra um subgrupo delas (artigo 1.991 a 2.027) dedicado ao inventário e partilha, que disciplina a forma de identificar e agrupar os bens, direitos e dívidas do falecido atribuindo-lhe valor para, em seguida, se realizar a divisão desses ativos e passivos entre os sucessores.

Atualmente o inventário e a partilha podem ser feitos na modalidade judicial ou extrajudicial, esta segunda por meio de escritura lavrada em Cartório de Notas (desde que os sucessores sejam maiores de idade, capazes e estejam de acordo  – Lei nº 11.441/07).  

Associados ao inventário e partilha judicial ou extrajudicial há aspectos relacionados a tributos, tais como o Imposto de Renda, IPTU e IPVA, referentes ao espólio (o conjunto de bens, direitos e obrigações do falecido enquanto não dividido entre os sucessores).

O artigo 192 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que “nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas”.

Dessa forma, os sucessores para que recebam sua parte na herança terão que dar detida atenção ao pagamento dos tributos gerados pelo espólio, o que alcança os tributos gerados em vida pelo falecido e por seu patrimônio.

No entanto, para um grande número de pessoas, esses aspectos tributários relacionados à herança são desconhecidos e, não raro, os herdeiros se mostram surpresos de que além das custas judiciais ou emolumentos cartorários e dos honorários advocatícios terão que prover meios para o pagamento de tributos.

Nessa questão de pagamento de tributos, já direcionando as considerações para o objeto desse artigo, há o Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação – ITCMD, que tem como uma das hipóteses de incidência a transmissão decorrente do falecimento (“causa mortis”) de bens e direitos.

O ITCMD é um tributo que cabe aos Estados e Distrito Federal instituí-lo e cobrá-lo (artigo 155, I da Constituição Federal). Como regra geral, quando o imposto recai sobre a transmissão de bem imóvel, o pagamento deve ser feito para o Estado em que se localiza o bem, independentemente do Estado de domicílio do falecido ou do doador. Já, quando a transmissão de bens e direitos não se refira a imóveis, o imposto é devido ao Estado onde se processar o inventário ou do domicílio do falecido ou do doador.

De fato, muitos herdeiros se surpreendem com a incidência desse imposto e não raramente as legislações estaduais, os Cartório de Notas e de Registro de Imóveis exigem comprovação do pagamento do ITCMD como condição para processar, finalizar e registrar o inventário e a partilha.

Na sucessão a apuração do valor que servirá para o cálculo do ITCMD dependerá de situações fáticas e jurídicas como, por exemplo, estado civil do falecido (solteiro, casado ou viúvo). Se casado é preciso se conhecer o regime do matrimônio (comunhão parcial, comunhão universal, separação de bens ou ainda se há união estável).

Apenas para exemplo, se a pessoa falecida era casada sob o regime de comunhão parcial de bens e seu cônjuge permanece vivo, na prática a base de cálculo do ITCMD será o valor correspondente à metade dos bens que o casal angariou durante o tempo do casamento. Se a pessoa era solteira ou viúva e não convivente em união estável, a base de cálculo do ITCMD será o valor total de seus bens e direitos.

No entanto, como se trata de um tributo estadual, se faz necessário consultar a legislação do Estado competente para arrecadá-lo, tanto no que se refere à apuração do valor que servirá de base para o cálculo do imposto, quanto à alíquota (percentual) que incidirá sobre essa base.

Apenas a título de exemplo, no Estado de São Paulo esse imposto tem a alíquota de 4% sobre o valor dos bens e direitos (base de cálculo) transmitidos aos sucessores.

É comum herdeiros, por motivos vários, não efetuarem o inventário e partilha imediatamente ao falecimento do autor a herança. E nessa hipótese é recorrente uma pergunta que os herdeiros fazem: o óbito aconteceu há tanto tempo, não “caducou” esse imposto (o ITCMD)?

A ideia por traz dessa pergunta é o senso comum de que há um tempo determinado para tudo. O credor de uma obrigação tem um limite de tempo em que pode exigi-la.

E realmente é assim. Existe no Direito Tributário, e em outros campos do Direito, as figuras da decadência e da prescrição que, em linhas gerais, limitam no tempo o direito de a Fazenda Pública de cobrar um tributo.

Basicamente essas regras são as seguintes, de acordo com Código Tributário Nacional: a Fazenda Pública tem 5 anos, a contar de 1º de janeiro do ano seguinte ao ano em que ocorreu o fato que dá origem ao pagamento do tributo para tomar as medidas de constituição do seu crédito (artigo 173, I do CTN), ou seja, para identificar quem deve pagar o tributo, o seu valor, quando o pagamento deve ocorrer e notificar o contribuinte (o devedor do tributo). Caso não constitua seu crédito nesse prazo, a Fazenda perde o direito ao tributo que lhe era devido (é a decadência). Se constituído o crédito do tributo no prazo acima, a Fazenda terá mais 5 anos para cobrá-lo (artigo 174 do CTN). Caso passe esse período sem que a Fazenda exerça o seu direito de cobrança, haverá a prescrição.

Lembrando, no que se refere ao ITCMD no inventário e partilha (sucessão), esse imposto incide sobre a transmissão do conjunto de bens e direitos do falecido para seus sucessores. Nesse passo, conforme o Código Civil, “aberta a sucessão [com o falecimento], a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (artigo Art. 1.784). Desse modo, a obrigação de pagar esse imposto nasce com o evento morte.

Então, poderia se pensar que pela regra do inciso I, do artigo 173 do Código Tributário Nacional, o Fisco teria 5 anos a contar de 1º de janeiro do ano seguinte ao do falecimento para constituir o seu crédito, ou seja, para identificar quem deve pagar o tributo, o seu valor, quando o pagamento deve ocorrer e notificar o contribuinte (o devedor do tributo), sob pena de, em não o fazendo, perder o seu direito ao tributo.

No entanto, isso não é assim no caso do ITCMD. O entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça é que o prazo decadencial, em se tratando de ITCMD, tem início a partir do primeiro dia do ano seguinte àquele em que ocorreu o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, que seria a data em que o lançamento (a constituição do crédito) poderia ter ocorrido (AgInt no AREsp 1473610 / PR).

Essa conclusão jurisprudencial tem respaldo na posição do Supremo Tribunal Federal que, ao analisar tributo semelhante ao imposto sobre a transmissão por morte, firmou o entendimento de que “o imposto de transmissão ‘causa mortis’ não é exigível antes da homologação do cálculo”, ou seja, antes da confirmação do que será partilhado, de quem receberá a partilha e o seu valor (Súmula 114 do STF).

Feita as devidas adaptações, essa ideia também se aplica ao inventário e partilha extrajudicial.

Pois então, a resposta é “não” à pergunta de que se passados vários anos do falecimento o ITCMD teria caducado. O marco inicial do prazo em que o Fisco perderá o direito ao tributo se não constituído o crédito (decadência) é o primeiro dia útil do ano seguinte àquele em que os herdeiros (sucessores) declaram no inventário, seja na modalidade judicial ou extrajudicial, quais bens, direitos e os valores correspondentes que cabem a cada um deles e em que obtêm a aprovação definitiva dessa declaração pela autoridade competente. Enquanto isso não acontece o prazo decadencial não se inicia.

Em termos bem simples, o transcurso de vários anos entre a data do óbito e o início do inventário não afasta a incidência do ITCMD.

Essas breves considerações intencionalmente não abordaram questões polêmicas, como, por exemplo, se na transmissão de bens situados no exterior há a incidência do ITCMD e nem se o Fisco, o Juízo e os Cartórios de Nota e o de Registro Imobiliário podem exigir a comprovação do pagamento do imposto para ultimar o inventário e partilha. Também não se considerou as obrigações acessórias e isenção relativas ao ITCMD e em que momento o Fisco poderia impor penalidade e exigir juros de mora no pagamento do tributo.

Esses são assuntos a serem objeto de reflexão em outra oportunidade.  

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